Saiu a edição 43, mês de junho, da Revista Digital Aldeia Magazine, com minha coluna "Cantinho das Ideias", na página 104.
Nesta edição, falou um pouco sobre o afeto nos dias de hoje. Além disso. apresento um poema que fiz para a ocasião:
Costumo participar de um encontro virtual aos sábados, denominado "Baralharte". Trata-se de uma reunião de amigos de norte a sul do País, sendo, a grande maioria deles, da Região Nordeste.
O Baralharte geralmente utiliza o simbolismo dos quatro naipes do baralho para indicar, algumas vezes, quatro temas diferentes a serem debatidos. Outras vezes, indica quatro formas de participação, como: poemas, debates, comentários e reflexões. E, de vez em quando, um só tema e um só palestrante com perguntas ou comentários dos demais participantes.
Nesta última edição, o tema definido foi "Laços e afetos em nossos dias de solidões" e os participantes puderam expor seus entendimentos sobre o tema. Eu gostaria de compartilhar um pouco sobre esse assunto com vocês, queridos leitores desta coluna.
Vivemos dias acelerados. Seja em função de nossas tarefas diárias ou de peculiaridades do mundo moderno, muitas vezes a ansiedade, até mesmo inconsciente, toma conta de nosso ser. Passamos a ter pressa até quando dela não necessitamos. Os dias se sucedem e, quando percebemos, já foi embora mais uma semana. Nesse automatismo que adotamos em nossa rotina, costumamos não nos dar conta de que o cultivo de afetos vem tornando-se algo raro.
Cultivar afetos vai muito além do mero "conhecer pessoas". A palavra "afeto" deriva do latim "affectus" que significa disposição de alma. Sendo essa disposição positiva, ela gera em nós emoções como carinho, desejo de presença e disponibilidade ao outro. A disponibilidade está ligada à vontade de nos dedicarmos. E fato é que muitas pessoas têm permitido que a ansiedade diária as faça esquecer de dedicar-se, de abrir-se ao outro. Não são poucas as pessoas que hoje vivem em suas solitárias bolhas, perdendo o hábito do contato mais profundo com o outro em sua diversidade, perdendo a paciência de construir laços, escutar e prestar atenção no outro, conhecê-lo de fato.
Cultivar afetos, construir laços, é algo que exige tempo, paciência, capacidade de interagir e conviver com o ser diferente, que pensa diferente, que ama diferente, enfim, considerando que cada ser é um universo em si mesmo, cultivar afetos exige capacidade de conviver com diferentes universos.
Quantos existem que, na impaciência transformada em intolerância, apressam-se em "deletar" o outro, a riscar a presença do outro de suas vidas, apenas por pressuporem que o outro é assim ou assado. Quantos optam pela indiferença, apenas por incapacidade de dialogar e conhecer pontos de vista divergentes. Quantas oportunidades perdidas para aprofundar o conhecimento e, na convivência, exercitar as potencialidades humanas e sociais! Quantas oportunidade perdidas de conhecer melhor o outro ser, de conhecer experiências diferentes! E a velha desculpa tem sido sempre a mesma: ele, o tempo. O tempo que apenas passa, como sempre passou. O tempo, sempre culpado! O tempo, e não aquilo que dele fazemos, o tempo, e não aquilo que acumulamos além de nossas limitações e nos impomos dar conta. É o tempo o culpado, e não a nossa ansiedade crônica que nos faz desaprender a estar conosco mesmo, percebendo nossa respiração e os gritos de nosso próprio corpo... Será mesmo que o tempo é o culpado?
Cultivar afetos dá trabalho, como tudo na vida. Trabalho de paciência, de construção, de entendimento. Não se constrói laços com base em suposições, sem diálogos, sem disposição de se doar e de doar um pouco de seu tempo e, principalmente, de sua vontade. O afeto se cultiva no dia a dia, em até pequenos, mas constantes diálogos, presença, participação e reciprocidade, sem a pressa de julgar, sem a análise rápida sobre a utilidade de alguém. Afeto é conquista, é disponibilidade, vontade, e não utilidade.
Vivemos, sim, dias acelerados. Mas que estejamos alertas para que essa aceleração não nos incapacite a convivências mais profundas, além da "casca" aparente. Que nossa falsa sensação de falta de tempo não nos leve a desistir de cultivar afetos, de romper nossas seguras bolhas e irmos em busca do outro, de estarmos atentos à presença, seja ela física ou virtual, do outro. Que não optemos pela indiferença ao não expressarmos nosso afeto por preguiça ou por indisposição para lidar com os prós e os contras naturais de quaisquer relações. E que tenhamos a sabedoria de que não é o tempo o verdadeiro culpado, senão nós mesmos. Que não deixemos que se perca nossa capacidade de nos colocarmos disponíveis, nossa sensibilidade para doarmos um pouco de nós mesmos, e nossa abertura, sem preconceitos, para o conhecimento dos mais diferentes universos pessoais.
Tempo e afeto
Afeto é presença
vontade
liberalidade.
Afeto é paciência
ciência,
sapiência.
Afeto é construção
doação,
disposição.
Não é o tempo o culpado
por afetos findados,
Não é ele o culpado
por desafetos tornados,
mas sim o ensimesmado,
aquele, em si, blindado,
ao outro, fechado
dentro de si, encarcerado.
Luciana G. Rugani
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