"PEGA NA MENTIRA"
TEXTO DE CRISTIANO MARTINS, PUBLICADO NO JORNAL "O TEMPO" EM ABRIL DE 2012
São omissões de pequenos detalhes, mudanças de opinião por simples conveniência eleitoreira ou até discursos cheios de falácias para acobertar graves fraudes e irregularidades. Em suas mais diversas proporções, a mentira - lembrada neste dia 1º de abril em quase todo o mundo - praticamente já se incorporou ao jeito de se fazer política no Brasil e ao imaginário do eleitorado quando o assunto são os seus governantes.
A cada dois anos, a prática se repete em grande escala pelo país durante as campanhas, fartas de promessas que não convencem nem mesmo os mais otimistas. Exemplo recente é o do pré-candidato à Prefeitura de São Paulo José Serra (PSDB), que negou falta de compromisso ao ter abandonado o cargo em 2006 para disputar o governo. Ele chamou de "papelzinho" o termo assinado no qual prometia cumprir o mandato inteiro.
Os casos atingem até os que erguem a bandeira da verdade e da moralidade, como o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), flagrado na semana passada em gravações policiais pedindo dinheiro e vazando informações para Carlinhos Cachoeira, acusado de exploração ilegal de jogos em Goiás.
No passado recente, também não foram raros os ministros e secretários que recorreram a fantasiosos argumentos para tentar escapar de acusações.
Atitudes: Nos últimos anos, surgiram no país iniciativas - ainda tímidas - de entidades e grupos apartidários com o objetivo de acompanhar as ações das autoridades. As mais importantes delas estão na internet, como grupos denominados "Adote um vereador" e "Adote um deputado", existentes em vários Estados, por meio dos quais internautas se comprometem a denunciar atos falhos e cobrar o cumprimento de promessas. Outras ferramentas digitais têm sido importantes meios de controle, como o Observatório Social do Brasil, que recebe denúncias e monitora as ações e gastos de câmaras e prefeituras.
E você, já foi enganado? Qual a maior mentira que já ouviu de um político?
CURIOSIDADES
Manobra. As brincadeiras de 1º de abril são tão famosas que levaram os militares responsáveis pelo golpe de 1964 a mudarem a data oficial do início do regime. A iniciativa ficou "registrada" no dia 31 de março, mas faria aniversário hoje.
Origem. Tudo começou quando o rei francês Carlos IX implantou o calendário gregoriano, no qual o ano começa em 1º de janeiro. Alguns não gostaram da ideia e continuaram celebrando a data antiga, 1º de abril, o que virou motivo de chacota. No resto do Ocidente, a data é chamada de "dia dos tolos".
CONTRADIÇÃO
Criticado, mas novamente eleito
Na avaliação do cientista político Rudá Ricci, a "cultura ambivalente" da população colabora para a perpetuação dos mentirosos no poder. Ele reforça que o mais eficiente instrumento de combate à prática é o voto.
"Os brasileiros, em geral, dizem condenar a mentira, mas esse comportamento contraditório leva, por exemplo, um ex-presidente alvo do primeiro impeachment da América a ter a chance de ser eleito e, hoje, ser um dos senadores mais influentes da República", disse, referindo-se a Fernando Collor.
Ricci também destaca como ferramentas de combate à mentira na política o controle social, por meio de instituições e iniciativas populares, e o aperfeiçoamento da transparência nos Poderes.
EXCEÇÃO
Apesar de classificar como "absolutamente condenável" a mentira quando utilizada para o benefício próprio dos homens públicos, Ricci avalia que um julgamento simplista pode "infantilizar" a discussão.
"Algumas das principais atribuições dos políticos são o equilíbrio e a responsabilidade. Isso significa que nem sempre uma autoridade possa ou deva falar a verdade, tornando público algo que deveria ser omitido quando as razões de Estado são superiores às pessoais", argumenta.
Como exemplo, ele cita casos em que declarações possam provocar conflitos internos ou internacionais, ou ainda impactos imediatos na vida econômica. (CM)
Quanta mentira. Até quando o brasileiro vai ficar inerte a tamanhas falácias?
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