Hoje, 5 de outubro de 2011, nossa Constituição Federal completa 23 anos. Não é muito tempo em termos de conquistas democráticas, mas é tempo mais que suficiente para que a noção de respeito a uma lei maior se faça presente. E, por respeito, entendemos não somente o cumprimento da lei, mas, além disso, o respeito aos princípios que lhe deram origem, ao modelo de sociedade estabelecido constitucionalmente.
A Constituição Federal de 1988 avançou enormemente no campo da proteção aos direitos fundamentais, sociais e coletivos. E o que vemos na prática? O próprio governo é o primeiro a tentar retrocedê-la no avanço. Vemos agentes políticos aprovando textos a favor de maior desmatamento; órgãos autorizando indústrias comprovadamente mais danosas que rentáveis; hospitais públicos sendo sucateados e mal cuidados, não por falta de recursos, mas por descaso de administradores públicos interessados em promover privatização da saúde; entre outros. Nos últimos anos, têm sido tantos os casos que seria impossível enumerá-los aqui. A noção de respeito à Constituição Federal foi desvirtuada. Se surge uma questão de interesse, ao invés de submetê-la aos princípios estabelecidos constitucionalmente, adequando-a à lei maior, faz-se o contrário: apressa-se logo a fazer uma PEC – proposta de emenda à constituição – para alterar a constituição, tornando possível a receptividade da questão de interesse pelo mundo jurídico. Nossa constituição tem 67 emendas aprovadas, mais 6 emendas de revisão, no total de 73 emendas, uma média de mais de 3 por ano! Virou uma colcha de retalhos!
Tudo isso comprova que precisamos caminhar muito ainda para vivermos uma democracia plenamente consolidada, onde a noção de respeito a direitos básicos esteja introjetada no senso comum. Nossa sociedade ainda engatinha no exercício da cidadania.
Quando da aprovação da constituição, o país era recém-saído de 20 anos de ditadura militar e desrespeito aos direitos fundamentais. Isso justifica o ânimo de se fazer uma constituição avançada na proteção de direitos e da democracia, mas infelizmente nosso meio político ainda está impregnado de práticas e costumes déspotas. Vemos, por exemplo, perseguição aos que pensam diferente, quando muitos sofrem boicotes em seus negócios simplesmente porque optam estar do outro lado. Vemos interferência de um poder em outro: STF rendendo-se a apelos políticos por parte do governo federal; tribunais seguindo preferências políticas de governadores; câmaras municipais funcionando como simples órgãos anexos de prefeituras, aprovando leis inconstitucionais e ilegítimas a favor do interesse do Executivo e contra os interesses da sociedade. São práticas oriundas de uma vivência ditatorial, e que a simples existência de uma constituição cidadã não conseguiu extirpar.
Concluindo, para mim, a data de hoje não é exatamente uma data para se comemorar, e sim ocasião para reflexão. São tantos os desmandos que temos acompanhado ultimamente, que prefiro a realidade dos fatos que a ilusão das palavras postas. Quando, por exemplo, a constituição diz que um dos objetivos fundamentais do Brasil é garantir uma sociedade livre, justa e solidária, é um preceito constitucional, portanto deveria ser respeitado como lei maior. E a realidade dos fatos mostra o contrário. A justiça brasileira afasta-se a cada dia da realização da verdadeira Justiça, pendendo com facilidade para o lado dominante politicamente e financeiramente. Não vivemos em uma democracia plenamente consolidada. A cada dia vemos atos de nossos governantes em que a constituição é simplesmente “rasgada”, ignorada. Que possamos então pelo menos orientar nossos jovens para que ajam de forma diferente no futuro, transmitir-lhes noções de respeito, de verdadeira cidadania, de preocupação social. Ajudá-los a entender que o descaso com o direito do próximo amanhã se reverte contra nós mesmos, através dos inúmeros problemas sociais, ocasionando queda na qualidade de vida para todos, ensiná-los que temos direitos, mas que a cada direito corresponde um dever para com o outro. Isso é mudança cultural, mudança de hábitos. Em suma, só evoluindo na vivência social é que aprenderemos a dar à constituição o devido respeito que ela merece.
Luciana G. Rugani
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